O fato de uma vítima ter sofrido violência física e psicológica de homem que agora está na condição de ex-companheiro não inviabiliza a incidência da Lei Maria da Penha e a prisão preventiva do acusado, uma vez que as agressões se deram em ambiente familiar e doméstico, mediante aproveitamento da vulnerabilidade do gênero feminino.
Esse foi o entendimento da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) ao julgar habeas corpus (HC) impetrado pela defesa de um homem preso preventivamente por ameaças e pelo cárcere privado de sua ex-companheira. O caso ocorreu em comarca do Vale do Itajaí.
De início, a defesa sustentou que os fatos narrados são inverídicos, já que não existem provas nem elementos de que o paciente ameaçava e colocava a ex-companheira em cárcere privado – tanto é que a vítima estaria em um novo relacionamento. Também ponderou que, no caso, o acusado não é parente ou marido, ou ainda companheiro da denunciante, e sim ex-companheiro, e que não se aplica a Lei Maria da Penha a relacionamentos pretéritos.
O desembargador relator do habeas corpus lembra que a Lei n. 11.340/06 (Maria da Penha) estabelece em seu art. 5º, caput, que “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. E isso, prosseguiu, pode ocorrer no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família ou até mesmo em qualquer relação íntima de afeto.
O art. 7º daquela lei, por sua vez, dispõe que a violência doméstica e familiar contra a mulher pode se dar tanto na forma física quanto nas formas psicológica, sexual, patrimonial e moral. Nessa conjuntura, a legislação supracitada, a partir de sua promulgação, destina-se a proteger e reprimir qualquer forma de violência contra a mulher em virtude de eventual situação de vulnerabilidade e hipossuficiência decorrente do seu gênero perante terceiros.
O relatório destaca que a lei se aplica mesmo no caso de ex-companheiro, conforme disposto no art. 5º, III: “em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”.
Além de depoimentos da vítima e da autoridade policial, a prisão foi decretada pelo juízo de 1º grau com base em outras provas – sobretudo diversos áudios enviados pelo acusado com ameaças explícitas à vida da vítima, que fugiu da cidade onde vivia para escapar das agressões e ameaças. Além disso, de acordo com certidão de antecedentes criminais, o representado já foi condenado definitivamente por tentativa de feminicídio. Elementos constantes do inquérito policial também evidenciam diversas passagens por crimes de ameaça e cárcere privado cometidos no contexto da violência doméstica.
“Desse modo, tem-se que a gravidade da suposta conduta perpetrada foi avaliada com base em fatos concretos, os quais se mostram suficientes, ao menos nesta fase processual, ao preenchimento dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal”, anota o relator. A situação, ele lembra, já foi apreciada em outra ocasião pelo mesmo órgão colegiado, com prisão cautelar mantida.
O habeas corpus criminal foi negado por unanimidade. A Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), referência mundial no combate à violência doméstica contra meninas e mulheres, completou 18 anos na última quarta-feira (7/8).
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